18.11.09

Reflexão sobre Arrastão

Um carro aporta no portão principal do condomínio, o porteiro reconhece o carro e a placa. O condômino dentro do veículo, nem tanto, afinal, o forte insufilm no pára-brisa, feito para garantir sua segurança, não permite sequer afirmar se se trata de um homem ou uma mulher. Enfim, o portão imponente, no estilo real francês, é aberto e o carro adentra. Aqui, tem início um arrastão.
Placa de automóvel clonada, grupos de homens armados até o calcanhar, armas de calibre ou armas de brinquedo, família mantidas em cativeiro, terror psicológico, busca por jóias, notebooks e dinheiro. Afinal, do que se trata isso?
Dizem que como os roubos a bancos se tornaram tarefa difícil, a mira se virou para as residências, inicialmente as de alto luxo e agora também as de uma classe média elevada, ávida por botar em prática seus justos “sonhos de consumo” traduzido em “belas ilhas” de harmonia e riqueza que se tornam os condomínios.  Sejam eles verticais ou horizontais, não importa, o desafio do profissional do crime é superar as barreiras criadas por empresas de segurança, essas tornadas um grande negócio para ex-policiais ou militares empreendedores, além de um ótimo segundo, ou mesmo “primeiro”, emprego para aqueles policiais que ganham menos do que deveriam. Na prática, o sistema é falível. A lógica de proteção, aparentemente intransponível, é tão elementar quanto lógica da vida social. O ato de chegar e sair de casa, de receber amigos, de buscar a pizza encomendada, de ir à pé até a padaria não pode ser mais banal.
Entendo que não se trata de aperfeiçoar técnicas que garantam o bem-estar. Qualquer ação que estresse a segurança constrange também a liberdade, pois reprime atos simples do dia-a-dia comum e prazeroso. O tal bem-estar foi para o ralo. Se é racional melhorar sistemas, instalar mais câmeras e treinar porteiros, é irracional qualquer crença fundada na possibilidade de uma vida ilhada. A vida em sociedade se expandiu por cima da comunidade. A empregada doméstica, a babá, os seguranças terceirizados, todos pertencem a esse mundo, e mesmo quando coadjuvantes, são e serão canais permanentes com outras ilhas “inimigas” que se formam, e se tornam assim, simultaneamente - sem que possamos impedir, pois são o reflexo involuntário e simétrico de nosso próprio movimento. Difícil pensar em soluções. Não há uma única, mas concluo que a saída aponta não para o acirramento da vigilância, mas sim para o desestressar das relações que estabelecemos com os outros, de outras ilhas ou não.

3 comentários:

  1. Tenho pavor de todo tipo de ilha, com exceção daquele monte de terra cercado de água. Além de não ser possível uma ilha total e completa, ela é uma péssima ideia porque a diversidade é esencial para não ficarmos na mesmice.
    Beijos, André e parabéns pelo blog. Aliás, visite o meu "Sujeito oculto":
    www.lucianapinsky.com

    ResponderExcluir
  2. Caminhamos, tropeçamos, tornamos a levantar e nada. O Século XIX, seus rebentos, suas soluções e problemas continuam a nos acossar.

    Rosa de Luxemburgo, rebento tardio e talvez bastardo do XIX, inspiradora do nome da mãe do treinador disse um dia: "socialismo ou barbárie".

    Será que depois do glorioso século XX só nos resta pensar em "barbárie ou barbárie"?

    As técnicas, teconlogias, indústrias e empreendimentos da morte estão aí para NOS proteger.

    Arames eletrificados, concertinas, microcâmeras de segurança, segurança, segurança, segurança...

    Uma parcela do inesgotável exército de reserva pronta para NOS servir e proteger. A outra, pronta para NOS agredir e NOS fazer temer.

    "Socialismo bárbaro ou bárbarie".

    "Barbárie".

    Ao sobrar apenas um fator da equação SOMOS obrigados a voltar à questão: "mas o que deu errado em nosso sonho de luz?"

    Sabe, André, dias desses, embaixo de um viaduto, vi escrita uma frase: "A miséria é a falta de amor entre os homens".

    Ingênua, voluntarista, despretensiosa e mais verdadeira do que qualquer outra.

    Insituições não amam. o Homem não ama. Os homens sim, podem chegar a amar. Talvez aqui esteja a solução. Dura, difícil, "utópica", mas única.

    E parabéns pelo post.

    Nevrálgico.

    ResponderExcluir
  3. André



    Extraio uma frase síntese de seu texto:



    “A vida em sociedade se expandiu por cima da comunidade”.



    O que se possa pensar com solução depende da reconstrução ou reinvenção da comunidade.



    Beijo do pá

    ResponderExcluir

Minha foto
São Paulo, SP, Brazil
Administrador e sociólogo de formação, publicitário na ocupação atual. Descobriu que pode ser legal divulgar certos pensamentos dele, sobre fatos, questões ou mesmo futilidades, desde que isso sirva pra alguma e qualquer coisa. Pra ele e ou pra você. Sem nenhuma pretensão do que isso pode significar.
Powered By Blogger

Seguidores

MegaContador

Contador de visitas