Um carro aporta no portão principal do condomínio, o porteiro reconhece o carro e a placa. O condômino dentro do veículo, nem tanto, afinal, o forte insufilm no pára-brisa, feito para garantir sua segurança, não permite sequer afirmar se se trata de um homem ou uma mulher. Enfim, o portão imponente, no estilo real francês, é aberto e o carro adentra. Aqui, tem início um arrastão.
Placa de automóvel clonada, grupos de homens armados até o calcanhar, armas de calibre ou armas de brinquedo, família mantidas em cativeiro, terror psicológico, busca por jóias, notebooks e dinheiro. Afinal, do que se trata isso?
Dizem que como os roubos a bancos se tornaram tarefa difícil, a mira se virou para as residências, inicialmente as de alto luxo e agora também as de uma classe média elevada, ávida por botar em prática seus justos “sonhos de consumo” traduzido em “belas ilhas” de harmonia e riqueza que se tornam os condomínios. Sejam eles verticais ou horizontais, não importa, o desafio do profissional do crime é superar as barreiras criadas por empresas de segurança, essas tornadas um grande negócio para ex-policiais ou militares empreendedores, além de um ótimo segundo, ou mesmo “primeiro”, emprego para aqueles policiais que ganham menos do que deveriam. Na prática, o sistema é falível. A lógica de proteção, aparentemente intransponível, é tão elementar quanto lógica da vida social. O ato de chegar e sair de casa, de receber amigos, de buscar a pizza encomendada, de ir à pé até a padaria não pode ser mais banal.
Entendo que não se trata de aperfeiçoar técnicas que garantam o bem-estar. Qualquer ação que estresse a segurança constrange também a liberdade, pois reprime atos simples do dia-a-dia comum e prazeroso. O tal bem-estar foi para o ralo. Se é racional melhorar sistemas, instalar mais câmeras e treinar porteiros, é irracional qualquer crença fundada na possibilidade de uma vida ilhada. A vida em sociedade se expandiu por cima da comunidade. A empregada doméstica, a babá, os seguranças terceirizados, todos pertencem a esse mundo, e mesmo quando coadjuvantes, são e serão canais permanentes com outras ilhas “inimigas” que se formam, e se tornam assim, simultaneamente - sem que possamos impedir, pois são o reflexo involuntário e simétrico de nosso próprio movimento. Difícil pensar em soluções. Não há uma única, mas concluo que a saída aponta não para o acirramento da vigilância, mas sim para o desestressar das relações que estabelecemos com os outros, de outras ilhas ou não.
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- Andre Chui de Menezes
- São Paulo, SP, Brazil
- Administrador e sociólogo de formação, publicitário na ocupação atual. Descobriu que pode ser legal divulgar certos pensamentos dele, sobre fatos, questões ou mesmo futilidades, desde que isso sirva pra alguma e qualquer coisa. Pra ele e ou pra você. Sem nenhuma pretensão do que isso pode significar.
Tenho pavor de todo tipo de ilha, com exceção daquele monte de terra cercado de água. Além de não ser possível uma ilha total e completa, ela é uma péssima ideia porque a diversidade é esencial para não ficarmos na mesmice.
ResponderExcluirBeijos, André e parabéns pelo blog. Aliás, visite o meu "Sujeito oculto":
www.lucianapinsky.com
Caminhamos, tropeçamos, tornamos a levantar e nada. O Século XIX, seus rebentos, suas soluções e problemas continuam a nos acossar.
ResponderExcluirRosa de Luxemburgo, rebento tardio e talvez bastardo do XIX, inspiradora do nome da mãe do treinador disse um dia: "socialismo ou barbárie".
Será que depois do glorioso século XX só nos resta pensar em "barbárie ou barbárie"?
As técnicas, teconlogias, indústrias e empreendimentos da morte estão aí para NOS proteger.
Arames eletrificados, concertinas, microcâmeras de segurança, segurança, segurança, segurança...
Uma parcela do inesgotável exército de reserva pronta para NOS servir e proteger. A outra, pronta para NOS agredir e NOS fazer temer.
"Socialismo bárbaro ou bárbarie".
"Barbárie".
Ao sobrar apenas um fator da equação SOMOS obrigados a voltar à questão: "mas o que deu errado em nosso sonho de luz?"
Sabe, André, dias desses, embaixo de um viaduto, vi escrita uma frase: "A miséria é a falta de amor entre os homens".
Ingênua, voluntarista, despretensiosa e mais verdadeira do que qualquer outra.
Insituições não amam. o Homem não ama. Os homens sim, podem chegar a amar. Talvez aqui esteja a solução. Dura, difícil, "utópica", mas única.
E parabéns pelo post.
Nevrálgico.
André
ResponderExcluirExtraio uma frase síntese de seu texto:
“A vida em sociedade se expandiu por cima da comunidade”.
O que se possa pensar com solução depende da reconstrução ou reinvenção da comunidade.
Beijo do pá